março 22, 2004

The Lurker e o Governo (ou Rousseau estava certo)

É preciso saber admitir quando se comete um erro. No meu caso este erro, que pode até mesmo ter sido bem-intencionado, veio causado em parte por uma perspectiva a de mudança e por uma percepção e de que os ciclos e a alternância de poderes, como os ciclos, são conseqüências naturais que acontecem até mesmo porque são necessárias.

Esta visão é mesmo um pouco romântica, pois que no Brasil tal crença não se fundamenta necessariamente na razão ou na experiência. Explico: até recentemente era possível acreditar genuinamente que um partido poderia ser efetivamente representado pelas idéias de pessoas que se propunham a encabeçá-lo. Este ponto de vista ingênuo implica acreditar que os ideais de determinados líderes serão compartilhados da integridade imaginados por seus seguidores. Isso não é verdade.

A idéia de que o governo dos trabalhadores tomaria maiores cuidados, que se comportaria com maior preocupação com os trabalhadores que representam estava errada. Assim como eu, descobriram isto ao mesmo tempo os funcionários públicos federais, estaduais, o pessoal do bingo, os portuários, os aposentados...

O pessoal de carreira federal ajudou a eleger um governo e agora se encontra alijado do mesmo, substituído por pessoas que necessariamente não dispõe do preparo para a condução das atividades que lhe eram originalmente imputadas. E, como dantes, a superlotação nos gabinetes se faz sentir: a impressão é de que até agora necessário recompensar a todos aqueles que de alguma maneira comungaram dos ideais do partido, não interessa ao onde colocá-los. Em alguns casos este procedimento resulta em contribuições interessantes por parte dos envolvidos (mais estes são raros). Na maior parte das ocorrências e dos relatos que me chegam, o que se vê é a continuação do processo destrutivo de governo iniciada por Collor.

Cabe aqui mais uma explicação: Dom Fernando I (Collor) como o chamo, iniciou processo de destruição do serviço público nacional através de uma campanha falaciosa e insidiosa que levou o povo a acreditar no inchaço da máquina do estado. É preciso ressaltar o que o Brasil tinha então o mesmo número de funcionários públicos na França, mas contava com uma população de aproximadamente três vezes o tamanho da daquele país. Não há que se dizer que o sistema era perfeito ou não possuía o defeito isso seria absurdamente ingênuo. Entretanto a assim chamada reforma do aparelho do estado apenas contribuiu para que aquelas pessoas com maior preparo e melhor entendimento do governo e o deixassem. Isso se deu pois estas eram as pessoas mais preparadas para assumir posições fora do governo.

Por seu turno, Dom Fernando II (FHC), montou novo aparato governamental, desta vez fundamentado em acordos internacionais e organismos multilaterais. Essa estrutura permitiu que pessoas de alta especialização viessem a compor o quadro do governo em tempo rápido e permitiu a igualmente que uma estrutura eficiente e barata de governo se instalasse. Eficiente porque era flexível e permitia a substituição de a troca de funcionários e com baixa produtividade e barata porque não implicava o pagamento da carga de impostos, aposentadorias, benefícios, etc. que o próprio governo se impôs.

Eis que agora chega à terceira onda o governo dos trabalhadores. Em função de uma legalidade forçada e de entraves que eles mesmos criaram, impõem agora à sociedade a perda de oito anos de conhecimento acumulado, criando um concurso para funcionários temporários nos quais os já existentes, aqueles que já dominam as atividades relativas aos processos do próprio governo, serão colocados em igual condição com pessoas que jamais realizaram as atividades e que, portanto, não dispõe desse conhecimento acumulado. Hora, parece evidente que tudo o que foi desenvolvido e aprendido por essas pessoas será perdido para a população e, com sorte, colocado à disposição do mercado. Neste meio tempo, não são realizados concursos “de verdade” para provimento definitivo das vagas tendo em vista que serão contratados funcionários temporários, nem tampouco se permite a efetivação destes. Perde-se duas vezes.

Sou culpado de minha ingenuidade. Acreditei que um governo dos trabalhadores seria capaz de enxergar essa realidade de maneira menos tacanha e mesquinha. Acreditei que um governo gerido por pessoas que sempre se opuseram à política do “é dando que se recebe”, do loteamento de cargos e da venda do Estado, não transigiria com a continuação do desmonte. Eu estava errado, bem como muitos de meus amigos, e agora o país pagará por isso. Talvez não hoje, talvez não amanhã, mas com certeza. E passarão muitos anos até que os equívocos de hoje possam ser revertidos.

The Lurker Says: Nam ego in ista sum sententia, qua te fuisse semper scio, nihil ut feurit in suffragiis voce melius. - Cicero (Marcus Tullius Cicero), De Legibus (III, 15)

Hmm... melhor, para a atual legislatura: You won the elections, but I won the count. - Anastasio Somoza